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Os 20 anos do mundo sem Kurt Cobain

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Há pouco tempo expressei pra minha esposa o que o Nirvana representou pra minha geração – a dos nascidos na segunda metade dos anos 70, que foi adolescente no começo dos 90 e hoje em 2014 tem trinta e poucos anos. Foi o que mais perto tivemos de uma Beatlemania. Guardadas às devidas proporções e circunstâncias, sem dúvida. Mas desde então, o que ficou? Qual foi o legado do Nirvana pra cultura pop? Muita coisa e quase nada ao mesmo tempo.

A “Nirvanamania” que assolou a música de 1991 a 1994 não tinha nada da histeria adolescente da Beatlemania porque os públicos-alvos e os tempos eram outros. Se o Fab Four surgiu em um período de relativo otimismo do pós-guerra, mas que deu lugar a simultâneas mudanças sociais e culturais (o biquíni, os conflitos raciais, o Vietnã, a morte de Kennedy, a Guerra Fria), o trio Kurt Cobain, Chris (depois Krist) Novoselic e David Grohl apareceu pro mundo naquela época que Francis Fukuyama chamou de “fim da história”. Essa hipótese dizia que o fim do comunismo ali em 1989, com a queda do Muro de Berlim, e pouco depois com a dissolução da União Soviética, levou à estagnação dos processos de conflitos que movem a História (teoria da qual discordo, mas isso é outro assunto).

O começo dos anos 90 não dava perspectiva de nada. Os EUA estavam sob o governo de Bush pai, fabricando mais uma guerra insensata (a primeira contra o Iraque), e no mais tudo estava na pasmaceira. As paradas pop estavam cheias de música relativamente descartável, de C + C Music Factory, New Kids on the Block e Whitney Houston aos panteões do hard rock farofa da década anterior, como Bon Jovi e Guns n’ Roses. O “Nevermind” saiu ali em setembro, e desbancou todos esses nomes consagrados pela indústria pouco a pouco com um som difícil de definir, mas que por aproximação parte da crítica dizia que era “punk”. Daí até 1994 você sabe a história. O Nirvana fez a cabeça de todo jovem desiludido da época para em seguida acabar de sopetão com uma bala na cabeça de Kurt, mitificando-o para sempre.

E depois?

Costumo dizer que Kurt Cobain foi e provavelmente será o último mártir do rock. Isso porque não haverá outro Nirvana. Depois de Kurt tivemos outros músicos consagrados morrendo tragicamente, mas sob outras condições. Michael Jackson não estava no seu auge nem morreu de suicídio. Amy Winehouse chegou perto, mas só perto. A questão aqui é que é praticamente impossível repetir todas as variáveis que levaram ao fenômeno Nirvana. Assim como não haverá outros Beatles pelo mesmo motivo. Eles mudaram o mundo, o pop, e também foram moldados pelo contexto ao seu redor. Presenciaremos outros fenômenos pop interessantes sempre, mas não exatamente como estes citados.

Os anos 90 como o conhecemos praticamente acabaram após a morte de Kurt Cobain. Não houve mais uma “banda de todos”, um fenômeno unânime, que unisse do mauricinho (ou “coxinha”, como é chamado hoje) ao metaleiro. Em termos de popularidade houve o Oasis. Em termos de qualidade houve o Radiohead. Em termos de movimentos musicais tivemos uma salada: o britpop, a eletrônica, o indie rock e seus inúmeros subgêneros, além daqueles que correram por fora, como Beck, Nine inch Nails, Primal Scream, Supergrass, etc. E nos anos 2000 não foi muito diferente. A segmentação foi ainda mais radical nessa década, graças ao compartilhamento de discos pela internet. Houve a tentativa de se fazer um movimento “new rock” capitaneado pelo Strokes, mas isso nunca vingou de fato.

Recentemente Krist e David foram receber a honraria do Rock n’ Roll Hall of Fame, que incluiu o Nirvana em seu panteão. Se apresentaram com várias cantoras no lugar de Kurt, da amiga veterana Kim Gordon a novatas em ascensão como St. Vincent e Lorde. “Smells Like Teen Spirit” é uma das músicas mais “coverizadas” por aí afora. Até o Muse disse pouco antes de vir ao Brasil que o sr. Cobain foi uma enorme influência pra eles. São pistas do impacto do som do Nirvana pelo mundo.

No entanto, não temos visto por aí alguma banda que combine energia, atitude, angústia e entranhas como o Nirvana fez, ou que dê ou faça muito sentido ao mundo de hoje. O que me fez pensar o que seria se Kurt não tivesse puxado o gatilho.

Penso em algumas hipóteses: ou o Nirvana acabaria de qualquer jeito em 1994 (boatos da época já falavam, antes mesmo do suicídio, que a banda iria parar por tempo indeterminado) porque Kurt estava esgotado pela agenda do Nirvana nos últimos dois anos; ou daria um tempo e voltaria a tocar normalmente até hoje, mas sem representar o zeitgeist como antes, e ficaria deslocada em meio às bandas que surgiram depois, perigando tornar-se um precoce dinossauro do rock, mais ou menos como o Pearl Jam e o Soundgarden se tornaram.

A saudade e saudosismo que cercam o Nirvana demonstram que a banda – ou o fenômeno que representou – ainda ecoa forte hoje em dia. Mas Kurt Cobain à parte, 2014 é uma época ainda muito boa para se ouvir música. Talvez não tenhamos outro Nirvana porque não precisamos de um. Pelo menos não por enquanto.


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